O
"Dia da Consciência Negra" retrata a
disputa pela memória histórica.
Preservar a memória é uma das formas de construir a história. É pela disputa
dessa memória, dessa história, que nos últimos 32 anos se comemora no dia 20 de
novembro, o "Dia Nacional da Consciência Negra".
Nessa data, em 1695, foi assassinado
Zumbi, um dos
últimos líderes do Quilombo dos Palmares, que se transformou em um grande ícone
da resistência negra ao escravismo e da luta pela liberdade. Para o historiador
Flávio Gomes, do Departamento de História da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, a escolha do 20 de novembro foi muito mais do que uma simples oposição
ao 13 de maio: "os movimentos sociais escolheram essa data para mostrar o
quanto o país está marcado por diferenças e discriminações raciais.
Foi também uma luta pela visibilidade do problema. Isso não é pouca coisa,
pois o tema do
racismo
sempre foi negado, dentro e fora do Brasil. Como se não existisse".
Como surgiu o Dia da Consciência Negra
No dia 20 de novembro de 1695, o negro Zumbi, chefe do Quilombo dos
Palmares, foi morto em uma emboscada na serra Dois Irmãos, em Pernambuco, após
liderar uma resistência que culminou, também, com o início da destruição do
Quilombo.
O Quilombo dos Palmares foi uma comunidade criada pelos escravos que fugiam
de seus senhores para viver
em liberdade. Houve uma época em que o Quilombo
abrigou mais de 20 mil pessoas.
Zumbi nasceu no Quilombo mas, ainda recém-nascido, foi capturado e entregue
a um padre, que lhe deu o nome Francisco, o ensinou a ler e a escrever. Aos 15
anos de idade, o menino resolveu voltar ao Quilombo, onde, pouco tempo depois,
tornou-se líder. Em 1995, após 300 anos de sua morte, Zumbi foi reconhecido
como herói nacional.
As rebeliões de escravos foram bastante freqüentes no período colonial. Os
negros fugidos escondiam-se na mata e organizavam-se em grupos, para sobreviver
à hostilidade do ambiente e às investidas dos brancos.
Os grupos, internamente coesos, recebiam o nome de quilombos e as aldeias
que os compunham, de mocambos. O mais conhecido dos quilombos foi de Palmares,
pois foi o que mais tempo durou (1630 -1695), o que ocupou maior área
territorial (cerca de 400 km2 dos atuais estados de Pernambuco e Alagoas) e o
que resistiu mais bravamente aos ataques dos brancos.
Palmares se organizou como um verdadeiro Estado - com as estruturas dos
estados africanos, onde cada aldeia tinha um chefe, os quais elegiam seu rei -
e possuía um verdadeiro exército, além de fortificações em torno das aldeias,
que deixaram os comandantes brancos admirados.
Tinha uma produção agrícola bem avançada, que dava para a subsistência das
aldeias e ainda produzia um excedente que podia ser negociado com mascates e
lavradores brancos. No entanto, a própria existência de um Estado independente
dentro da colônia era inaceitável para os portugueses, que consideravam
Palmares como seu maior inimigo, depois dos holandeses.
O primeiro rei de Palmares foi Gangazumba, que comandou uma bem-sucedida
resistência, repelindo dezenas de expedições dos brancos. Em 1678, assinou uma
trégua com o governador Aires de Souza e Castro - atitude que dividiu o
quilombo.
Em conseqüência, Gangazumba terminou por ser envenenado. Foi substituído por
Zumbi que já era um líder respeitado e que se tornou o grande herói dos
Palmares. Várias investidas foram feitas contra o quilombo: duas ainda sob o
domínio Falar sobre o Dia da Consciência Negra nos faz parafrasear Patativa
quando ele propõe o respeito às diferenças. Acreditamos que isto não deve ser
encarado como concessão ou exceção a uma regra socialmente estabelecida, mas
como o direito de igualdade em oportunidades entre os indivíduos.
O dia 20 de novembro marca o assassinato do líder Zumbi dos Palmares,
oficializado herói nacional, por ocasião do tricentenário de sua morte em 1996.
Símbolo da resistência contra o racismo, a opressão e as desigualdades sociais.
Marca da resistência dos povos contra o colonialismo, o imperialismo e o
terrorismo em todo o mundo, sob todas as formas.
Construindo o "Dia da Consciência
Negra"
O 20 de novembro trata da data do assassinato de Zumbi, em 1665, o mais
importante líder dos quilombos de Palmares, que representou a maior e mais
importante comunidade de escravos fugidos nas Américas, com uma população
estimada de mais 30 mil.
Em várias sociedades escravistas nas Américas existiram fugas de escravos e
formação de comunidades como os quilombos. Na Venezuela, foram chamados de
cumbes, na Colômbia de palanques e de marrons nos EUA e Caribe. Palmares durou
cerca de 140 anos: as primeiras evidências de Palmares são de 1585 e há
informações de escravos fugidos na Serra da Barriga até 1740, ou seja bem
depois do assassinato de Zumbi. Embora tenham existido tentativas de tratados
de paz os acordos fracassaram e prevaleceu o furor destruidor do poder colonial
contra Palmares.
Há 32 anos, o poeta gaúcho Oliveira Silveira sugeria ao seu grupo que o 20
de novembro fosse comemorado como o "Dia da Consciência Negra", pois
era mais significativo para a comunidade negra brasileira do que o 13 de maio.
"Treze de maio traição, liberdade sem asas e fome sem pão", assim
definia Silveira o "Dia da Abolição da Escravatura" em um de seus
poemas. Em 1971 o 20 de novembro foi celebrado pela primeira vez. A idéia se
espalhou por outros movimentos sociais de luta contra a discriminação racial e,
no final dos anos 1970, já aparecia como proposta nacional do Movimento Negro
Unificado.
A diversidade de formas de celebração do 20 de novembro permite ter uma
dimensão de como essa data tem propiciado congregar os mais diferentes grupos
sociais. "Os adeptos das diferentes religiões manifestam-se segundo a
leitura de sua cultura, para dali tirar elementos de rejeição à situação em que
se encontra grande parte da população afro-descendente”.
Os acadêmicos e os militantes celebram através dos instrumentos clássicos de
divulgação de idéias: simpósios, palestras, congressos e encontros; ou ainda a
partir de feiras de artesanatos, livros, ou outras modalidades de expressão
cultural.
Grande parte da população envolvida celebra com samba, churrasco e muita
cerveja", conta o historiador Andrelino Campos, da Faculdade de Formação
de Professores, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
"É importante que se conquiste o "Dia da Consciência Negra"
como o dia nacional de todos os brasileiros e brasileiras que lutam por uma
sociedade de fato democrática, igualitária, unindo toda a classe trabalhadora
num projeto de nação que contemple a diversidade engendrada no nosso processo
histórico".
Para o historiador Flávio Gomes, do Departamento de História da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, a escolha do 20 de novembro foi muito mais do que
uma simples oposição ao 13 de maio: "os movimentos sociais escolheram essa
data para mostrar o quanto o país está marcado por diferenças e discriminações
raciais. Foi também uma luta pela visibilidade do problema. Isso não é pouca
coisa, pois o tema do racismo sempre foi negado, dentro e fora do Brasil. Como
se não existisse".
O projeto neoliberal implantado em nosso país acirra as desigualdades,
afetando, ainda mais, as parcelas menos favorecidas da população brasileira. Em
pesquisa realizada pelo DIEESE (1998) são apresentadas informações que
comprovam a discriminação à população negra, tomando por base as regiões
metropolitanas.
Taxas de Desemprego por Sexo e segundo a Raça
Os dados apresentados demonstram que as taxas de desemprego entre homens e
mulheres, negros (as) e não negros (as) ainda registram valores muito elevados.
Se compararmos a diferença das taxas entre homens negros e não negros, com
mulheres negras e não negras, a maior diferença estará em relação às mulheres
negras, já que estas apresentam, em todas as regiões, as maiores taxas de
desemprego.
No entanto, este debate não se encerra na mera inserção no mercado de
trabalho. Deve ser acompanhado pelos números que registram a taxa de
analfabetismo o número de anos de permanência na escola e a média de
rendimentos salariais.
Na Síntese dos Indicadores Sociais - IBGE (2000) é apontado que, em
1999, a taxa de
analfabetismo entre pretos e pardos é de 20%, enquanto entre os brancos cai para
8,3%. Quando demonstram o número de anos de permanência na escola as
estatísticas não são diferentes: os pretos passam 4,5 anos, os pardos 4,6 anos
e os brancos 6,7 anos. Isto demonstra que os pretos e pardos saem mais cedo da
escola, o que irá refletir, diretamente na população jovem, quanto ao acesso ao
nível superior e ao mercado de trabalho.
Quando empregados (as) os níveis salariais também servem para denunciar a
discriminação econômica e de gênero. Conforme Sueli Carneiro e Thereza Santos,
na obra "Mulher Negra" : 83,1% das mulheres negras trabalham na
agricultura e na prestação de serviços (principalmente como empregadas
domésticas); 60% não têm registro
em carteira. Quanto
à média salarial, os homens brancos recebem 6,3% salários mínimos (s.m), os
negros 2,9 s.m, as mulheres brancas 3,6 s.m e a s mulheres negras 1,7 s.m Tais
dados tornam-se ainda mais gritantes quando se estima que o número de mulheres
chefes de família no país varia entre 20% e 25%. As condições de trabalho e
salários destas mulheres refletiram diretamente no grau de pobreza dessas
famílias.
O projeto do Dia Estadual da consciência negra a ser comemorado em cada dia
20 de novembro originou a Lei de n.º 12056 de 12 de janeiro de 1993, onde
estabelece que o Governo e a Assembléia legislativa promoverão atividades
alusivas a esta data. Ficou instituído também que as comemorações nas escolas
públicas estarão relacionadas a dedicação das atividades curriculares para
abordagem de temas relativos a participação do negro na história do Brasil.
Remeto-me, nesse momento, a todos aqueles que lutam, alguns chegando a dar a
própria vida, em nome da liberdade, da democracia e do respeito às diferenças.
Dos povos indígenas à Zumbi dos Palmares; dos negros (as) escravo (as) a
Joaquim Nabuco, de Chica da Silva aos poetas Cruz e Souza, Lima Barreto; de
Castro Alves à Jorge Amado; do Mestre Aleijadinho ao Geógrafo Milton Santos; de
Chiquinha Gonzaga aos guerrilheiros e guerrilheiras do Araguaia. Nesta data
símbolo da resistência saúdo a todos que lutam e lutaram na construção de um
mundo justo e igualitário.
Para a socióloga Antonia Garcia, doutoranda do Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é
importante que se conquiste o "Dia da Consciência Negra" "como o
dia nacional de todos os brasileiros e brasileiras que lutam por uma sociedade
de fato democrática, igualitária, unindo toda a classe trabalhadora num projeto
de nação que contemple a diversidade engendrada no nosso processo histórico".