domingo, 2 de outubro de 2016

Finalista - Crônica - 2012

O senhor dos covos

                                                                                   Aluno: Elias dos Santos Marinho

           Não há nada melhor do que fazer o que a gente gosta! Escrever, rimar ou cronicar. Tanto faz! O importante é liberar o olhar encardido para o meu quintal.
          O que a mente me traz pro dia de hoje são os covos. Ontem, andando pelas trilhas que nos levam à Fonte da Juventude, sob um sol de rachar os miolos, até de um menino como eu, encontrei o Meu Senhor.
          Sentado em um toco de uma jaqueira, o mestre fumava um cigarro apavorante. No meio de talas e cipós, o cheiro do fumo incendiava o pasto. E o velho senhor, lá, ruminando os sonhos de quem acredita ainda na natureza para arrancar alguns trocados.
          De cócoras, tasquei um olhar para o poço e refletido nas águas aluviadas do riacho: o Senhor dos ovos. Aquela cena me lembrava a de um guerreiro, o Zumbi dos Palmares, rompendo o limite entre a luta, o golpe, e o destino.
          E as lutas daquele senhor negro são muitas: uma delas é ser o construtor de covos. Meu Senhor agarra camarão com eles, depois vende na feira e entrega o dinheiro para sinhá Maria.
         Pense em um trabalho miúdo de doer. Depois de cortar a taboca em pequenas talas, o artista usa uma espécie de cipó par enredar cada haste, fazendo uma espécie de cone. E são esses covos que os pescadores daqui usam para pescar camarões. “Ás vezes, a lontra nos tira a renda do dia”, reclama Zé Neguinho, olhando pra mim, quase que gemendo.
          Nesse momento foi a minha barriga que gemeu. Roncou, roncou feio! Encolhi-me.
          — Tá com a pança roncando, menino?
          — Não, senhor!
          — Se quiser chegue pra cá e pegue um pedaço de pé de moleque, pois, camarão, só amanhã!
          Não disse mais nada, emudecido fiquei a contemplar aquele homem com as suas pelejas para sobreviver. A força dele me comove e me leva a ver entre as bananeiras daquela fonte, as fitas coloridas daquele mestre, o Mateus do Reisado. O seu canto agora invade meus pensamentos.
205 Continuo minha sina. Olho pra trás e vejo lá longe o Senhor dos Covos, a afinar as talas.
          Pego-me cantando “Já chegou as onze estrelinhas...”, não tenho dúvida que ele é umas das onze estrelinhas, e com o seu raio dourado ainda vai iluminar muitas outras histórias de resistência. O vaqueiro, o marcador, o cantor, o rezador, o toador, o pescador...
          Enquanto ainda o camarão resistir, o Senhor dos Covos estará nas canoas da vida, fazendo as águas carregarem o peso do fazer do povo.

Professor: Luciano Acciole Gomes
Escola: E. M. Vereador João Prado – Japaratuba (SE)



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