Neste sábado, seis de setembro, minha
mãe completou oitenta anos. Minha mãe é uma pessoa rara. Natural do
estado da Paraíba, perambulou por diversos estados nordestinos comigo
a tiracolo, sempre ajudando meu pai na
sobrevivência da família. Minha mãe é, com
certeza, a mulher que mais profissões exerceu em
seus oitenta anos de vida, sem ter sequer concluído o curso fundamental. Tudo
que ela aprendeu foi nas três séries iniciais do primário que
cursou, quando criança. Contudo, é de uma sabedoria sem par!
As pessoas ao entrarem em casa,
já observam na entrada asdezenas de fotografias e porta-retratos no
móvel e nas paredes da sala. Minha mãe é uma decoradora de grandes qualidades, e
esta profissão vem de longe! À medida que eu crescia, observava que ela sempre
tinha um local no melhor móvel da casa, para
as pequenas coisas que fazíamos na escola, eu , meu irmão, e quatro irmãs. Em
nossa casa,nunca faltou espaço para
colocar os quadrinhos, os desenhos,os nossos ensaios de artistas, incluindo nossas fotos
nos porta-retratos. Tudo ganha um espaço privilegiado. E
tudo ficava lindo, no lugar que ela coloca!
Me lembro dos conflitos
que tínhamos entre os irmãos, e até agora depois de
casados, minha mãe exerce a função de diplomata formada
na melhor escola do mundo (nosso lar). Fosse a disputa
pelo velho brinquedo, ou pelo último bocado do bolo de milho verde, que
ela mesmo havia colhido na roça, de forma elegantemente
diplomática ela conseguia resolver. E
a solução, embora pudesse não agradar a todo mundo, era
sempre a mais viável, correta, honesta e ponderada!
Foi num momento triste e sofrido, quando
ela caiu em depressão, que eu descobri que
minha mãe poderia ser umaescritora de raro dom. Ainda
nos primeiros anos escolares,apesar dela estar de cama por vários meses, quando
eu precisava colocar no papel as ideias desencontradas de
minha cabecinha infantil. Ela me fazia dizer em voz alta as
minhas ideias, e depois ia me auxiliando a seu modo, juntar as sílabas e
compor as palavras, as frases, para que a tarefa saísse a contento!
Descobri que minha mãe era enfermeira com menção honrosa. Toda
vez que nos machucávamos, ela lavava osjoelhos ralados, as
feridas abertas no roçar dos espinhos,
nas quedas das cercas, nos tombos comuns nas brincadeiras
de pique. Depois passava o produto
antisséptico (lembro-me do arrepio ao ver o vidro de mercúrio cromo),
e sabia exatamente quando devia usar somente
um pequeno curativo, que nada mais era do que uma tira de pano branco limpo, amarrado
com atenção e carinho!
Descobri que minha mãe cursara a mais famosa faculdade de psicologia!
Pois ela conseguia, apenas com um olhar,
descobrir a arte que tínhamos acabado de aprontar, as
vezes uma louça preferida que tínhamos quebrado! E,
depois, naadolescência, o
namoro desatado, a frustração de um passeio que não deu certo, um
desentendimento na escola. Era uma analista perfeita. Sabia
sentar-se e ouvir, ouvir e ouvir.Depois,
buscava nos conduzir para um estado de espírito melhor,
propondo algo que nos recompusesse o íntimo e refizesse o ânimo!
Ela é evangélica há mais de cinquenta anos.
No entanto é também pós-graduada em teologia. Sua
ciência a respeito de Deus transcende o
conteúdo de alguns livros existentes no mundo. Na sua simplicidade resumia que a
gota a cair da folha verde na manhã orvalhada, assim como no cristal
puro,está a presença de Deus, dizendo: " Não cai uma
folha de uma árvore sem Deus querer!".. Quando apontava
a fúria do temporal, nos contava as vezes que
teve de enfrentar os vendavais, numa cabana de palmito,
chão batido, coberta de sapé, e nos dizia na
sua formação evangélica: “Deus vela por nós. Não se preocupem!”
Na época que ela estava em depressão profunda, tínhamos um jardim com onze horas, margaridas, dálias, e copos de leite,e nos fez destruir tudo, porque pensava que aquelas flores um dia pudesse adornar seu caixão, mas hoje mesmo vi ela alertando um de seus netos sobre o respeito à natureza, para nunca arrancar as flores, porque, segundo ela, estamos pisando no jardim de Deus. Ah, sim. Ela era uma ecologista nata. Me lembro como plantava flores e fazia horta com o mesmo amor.
Nos
ensinou a caridade e o amor ao próximo pela
prática.Quando fazia pão, assado
no forno de lenha em cima da folha de bananeira ,
dizia: “ Filho, leva aqui um pão para dona Maria,
ela nunca esquece da gente e a gente não pode esquecer dela!". Era
sua forma de manifestar sua gratidão aos vizinhos pela
amizade: compartilhando o pão! Também
foi exímia cozinheira, arrumadeira, passadeira, babá.
E tudo isto em tempo integral. Como ela conseguia, eu não sei! Somente
sei que agora aos oitenta anos, sinto que ela
está a cada dia se preparando para voltar à pátria espiritual.E, tenho
certeza, que Deus, como recompensa, por
tantas profissões desempenhadas na Terra, lhe
dará uma missãomuito, muito especial: a
de anjo guardião dos filhos que ficaram nesta bendita escola terrena!
Luiz Antônio Silva, e
hoje sou apenas o filho de Dona Maria Terina da Silva, mais conhecida como Dona
Maricô.
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