sábado, 20 de outubro de 2018

DONA MARICÔ


Neste sábado, seis de setembro, minha mãe completou oitenta anos. Minha mãe é uma pessoa rara. Natural do  estado da Paraíba, perambulou por diversos estados nordestinos  comigo a tiracolo,  sempre ajudando meu pai na sobrevivência da família. Minha mãe é, com certeza, a mulher que mais profissões exerceu em seus oitenta anos de vida, sem ter sequer concluído o curso fundamental. Tudo que ela aprendeu foi nas três séries iniciais do primário que cursou, quando criança. Contudo, é de uma sabedoria sem par!

As pessoas ao entrarem  em casa,  já observam na entrada asdezenas de fotografias e porta-retratos no móvel e nas paredes da sala.  Minha mãe é uma decoradora de grandes qualidades, e esta profissão vem de longe! À medida que eu crescia, observava que ela sempre tinha um local no melhor móvel da casa, para as pequenas coisas que fazíamos na escola, eu , meu irmão, e quatro irmãs. Em nossa casa,nunca faltou espaço para colocar os quadrinhos, os desenhos,os nossos ensaios de artistas, incluindo nossas fotos nos porta-retratos. Tudo ganha um espaço privilegiado. E tudo ficava lindo, no lugar que ela coloca!

Me lembro dos conflitos que tínhamos entre os irmãos, e até agora depois de casados, minha mãe exerce a função de diplomata formada na melhor escola do mundo (nosso lar). Fosse a disputa pelo velho brinquedo, ou pelo último bocado do bolo de milho verde, que ela mesmo havia colhido na roça, de forma elegantemente diplomática ela conseguia resolver. E a solução, embora pudesse não agradar a todo mundo, era sempre a mais viável, correta, honesta e ponderada!

Foi num momento triste e sofrido, quando ela caiu em depressão, que eu descobri que minha mãe poderia ser  umaescritora de raro dom. Ainda nos primeiros anos escolares,apesar dela estar de cama por vários meses, quando eu precisava colocar no papel as ideias desencontradas de minha cabecinha infantil.  Ela me fazia dizer em voz alta as minhas ideias, e depois ia me auxiliando  a seu modo, juntar as sílabas e compor as palavras, as frases, para que a tarefa saísse a contento!

Descobri que minha mãe era enfermeira com menção honrosa. Toda vez que  nos machucávamos, ela lavava osjoelhos ralados, as feridas abertas no roçar dos espinhos,  nas quedas das cercas, nos tombos comuns nas brincadeiras de pique.  Depois passava o produto antisséptico (lembro-me do arrepio ao ver o vidro de mercúrio cromo),  e sabia exatamente quando devia usar somente um pequeno curativo, que nada mais era do que uma tira de pano branco limpo, amarrado com atenção e carinho!

Descobri que minha mãe cursara a mais famosa faculdade de psicologia!  Pois ela conseguia, apenas com um olhar, descobrir a arte que tínhamos acabado de aprontar, as vezes uma  louça preferida  que tínhamos quebrado! E, depois, naadolescência, o namoro desatado, a frustração de um passeio que não deu certo, um desentendimento na escola. Era uma analista perfeita. Sabia sentar-se e ouvir, ouvir e ouvir.Depois, buscava nos conduzir para um estado de espírito melhor, propondo algo que nos recompusesse o íntimo e refizesse o ânimo!

Ela é evangélica há mais de cinquenta anos. No entanto é também pós-graduada em teologia. Sua ciência a respeito de Deus transcende o conteúdo de alguns livros existentes no mundo. Na sua simplicidade resumia que a gota a cair da folha verde na manhã orvalhada, assim como  no cristal puro,está a presença de Deus, dizendo: " Não cai uma folha de uma árvore sem Deus querer!".. Quando  apontava a fúria do temporal, nos contava as vezes que teve de enfrentar os vendavais, numa cabana de palmito, chão batido,  coberta de sapé, e nos dizia na sua formação evangélica: “Deus vela por nós. Não se preocupem!”
 
Na época que ela
 estava em depressão profunda, tínhamos um jardim com onze horas, margaridas, dálias, e copos de leite,e nos fez destruir tudo, porque pensava que aquelas flores um dia pudesse adornar  seu caixão, mas hoje mesmo vi ela alertando um de seus netos sobre o respeito à natureza,  para  nunca arrancar as flores, porque, segundo ela,  estamos pisando no jardim de Deus. Ah, sim. Ela era uma ecologista nata.  Me lembro como plantava flores e fazia horta com o mesmo amor.

 Nos ensinou a caridade e o amor ao próximo  pela prática.Quando fazia pão, assado no  forno de lenha  em cima da folha de bananeira , dizia: “ Filho, leva aqui um pão para dona Maria,  ela nunca esquece da gente e a gente não pode esquecer dela!".  Era sua forma de manifestar sua gratidão aos vizinhos pela amizade: compartilhando o pão! Também foi exímia cozinheira, arrumadeira, passadeira, babá. E tudo isto em tempo integral. Como ela conseguia, eu não sei! Somente sei que agora aos oitenta anos, sinto que ela está a cada dia se preparando para voltar à pátria espiritual.E,  tenho certeza, que Deus, como recompensa, por tantas profissões desempenhadas na Terra, lhe dará uma missãomuito, muito especial: a de anjo guardião dos filhos que ficaram nesta bendita escola terrena!

Luiz Antônio Silva, e hoje sou apenas o filho de Dona Maria Terina da Silva, mais conhecida como Dona Maricô.
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